ARTIGO PARA A REFLEXÃO COM OS ALUNOS ACERCA DOS LIXÕES, DESTINO DO LIXO NO BRASIL, HABITAÇÕES IRREGULARES E DESLIZAMENTOS DE TERRAS.
Uma área de depósito de lixo jamais deveria receber construções de qualquer tipo, por pelo menos três décadas após seu fechamento. É o que dizem os especialistas ouvidos pelo iG.
“Imagine uma massa disforme, sem sustentação, com buracos onde se forma gás. Fica um terreno semelhante a uma esponja,” descreve Maurício Maruca, diretor da Araúna Energia e Gestão Ambiental. Essa falta de firmeza do solo é o principal motivo pelo qual não se deve construir nada em uma área de lixão ou mesmo de aterro sanitário.
Lixão no Morro do Bumba, em 1977 - (Acervo Jornal Fluminense)
O engenheiro civil geotécnico da Escola Politécnica da USP, Fernando Antonio Medeiros Marinho, concorda. “O terreno do aterro sanitário é mais estável que o do lixão. No entanto, o aterro é construído para sustentar a si próprio”, explica. “Além disso, por causa da emissão de metano, que é inflamável, é arriscado construir sobre eles. Suponhamos que uma residência ou um centro comercial fosse construído em cima de um aterro e que este emanasse o gás. Se o metano se concentrasse em um cômodo, ao acender a luz, o local poderia explodir”, explica.
Uma alternativa de uso para os aterros sanitários seria, após 30 anos de sua desativação, construir parques, campos de futebol ou de golfe sobre eles. “Isso foi feito nos Estados Unidos”, afirma Marinho.
A secretária estadual do Ambiente do Rio de Janeiro, Marilene Ramos, afirmou que a provável causa do deslizamento no Morro do Bumba, em Niterói, foi uma explosão do gás metano. Há quem discorde. O geólogo e professor Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Luiz Carlos Bertolino, afirma que o fator primordial do deslizamento de terra foi o relevo encharcado. “O solo da região já era propício ao desmoronamento antes de habitarem a encosta”, diz.
A decomposição do lixo pode gerar bolsões de metano – um gás tóxico e inflamável. Ele pode explodir em contato com faíscas como, por exemplo, feita pela escavadeira ao bater em uma rocha. “Mas o deslizamento de terra ocorreu por fatores naturais e foi agravado pela ação do homem”, conta Bertolino. “Jamais o poder público deveria ter deixado as pessoas construírem casa no Morro do Bumba”, completa.
“Niterói possui um solo propício ao deslizamento, chamado gnaisse facoidal, que, por ser espesso e poroso, é suscetível à infiltração de água. Como choveu quase ininterruptamente, o solo do morro foi encharcando. Em certo momento, a água não tinha mais por onde infiltrar, pois encontrou a rocha que fica abaixo do solo. Aquela terra molhada virou lama que, devido à força da gravidade, desceu como uma avalanche,”
No entanto, na área existia um pequeno vale que, junto com a encosta do morro, foi usado como um lixão há mais de 40 anos. “O local estava, aparentemente, estável com vegetação e casas sobre o lixão”, diz. “Porém, um terreno feito de resto orgânico, plástico, metais, madeira, areia e tudo o mais que é jogado no lixo é diferente de um solo”, diz Bertolino.
O lixo gera gases e demora anos para se decompor, por isso um lixão é mais instável. “Os bombeiros estão tendo dificuldade. As máquinas, ao avançar sobre os escombros podem ir afundando naquela mistura de terra e lixo”, diz. “Além disso, o morro pode continuar desmoronando até a área se estabilizar”, explica o geólogo.
Ele conta que, para os pesquisadores e para os bombeiros, é inédito trabalhar com um desmoronamento de terra e lixo desta magnitude. “Nunca tivemos um problema tão grande quanto esse no Brasil. Para piorar, há um risco das toxinas liberadas pelo lixo em decomposição causarem, num futuro próximo, problemas para a saúde da população e de quem está trabalhando no local”, finaliza.
Lixão e aterros
Existem três maneiras de dispor do lixo e de resíduos sólidos. A primeira é o lixão, uma área a céu aberto onde os resíduos são despejados, sem nenhum tipo de impermeabilização do solo. Não atendem a normas de controle – e estão proibidos no Brasil. “Apenas recebem resíduos jogados de qualquer maneira”, diz o presidente do Instituto Brasil Ambiente e consultor da Organização das Nações Unidas (ONU), Sabetai Calderoni.
Eles atraem ratos, urubus, insetos e outros animais transmissores de doenças. No máximo, coloca-se uma terra por cima do lixo. “Como não há cuidado, o lixo vai desmoronando ao longo dos anos enquanto se acomoda”, afirma.
Outro é o aterro controlado, normalmente um lixão “remediado”, que é coberto por terra, e depois por camadas sucessivas de terra e lixo, mas sem procedimentos de impermeabilização do solo. Por fim, o aterro sanitário, onde o depósito de lixo obedece a uma série de normas e procedimentos a fim de minimizar seu impacto sobre o meio ambiente.
Entre eles, distância de no mínimo 100 metros de área construída e cursos d’água, impermeabilização do solo com uma camada de dois metros de manta sintética, pedra e areia, alternância de lixo compactado com terra com argila, sempre terminando em grama, construção em desnível, drenagem de gás metano e chorume (líquido resultante da decomposição do lixo) e tratamento adequado de todos os dejetos. Sua vida útil é de 20 anos.
Lixão de Niterói
Nenhuma dessas precauções foi observada no Morro do Bumba, em Niterói, que desmoronou na noite de quarta-feira. O morro foi o lixão de Niterói de 1970 a 1982. De acordo com o biólogo e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Declev Reynier Dib-Ferreira, a capacidade de receber lixo se esgotou no início da década de 80 e a prefeitura começou a levar esse material para o aterro controlado de Gramacho, em Duque de Caxias.
"O lixão foi para outro lugar e, como não havia fiscalização na década de 80, o Morro do Bumba começou a ser ocupado e houve a construção de pequenas casas de alvenaria", conta.
Dib-Ferreira afirma que Niterói não tem um lugar propício para despejar o lixo. "Como o custo levar o lixo para Gramacho era alto, a prefeitura teve de providenciar um local para servir de vazadouro. Em 1983, todo o lixo de Niterói passou a ser jogado, sem nenhum tratamento, na região do Morro do Céu, vizinha de Viçoso Jardim."
No início da década de 80, catadores - pessoas que vivem no lixão a procura de materiais recicláveis para vender, objetos para suas casas e até alimento para consumo da família - começaram a "invadir" a região. "Além do poder público não dispor de outro local, os catadores tiveram mais força que os moradores para que o lixão ficasse lá."
Natasha Madov e Isis Diniz para,iG São Paulo
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